Mass incarceration e hyperincarceration: a realidade brasileira entre o senso comum e a pesquisa criminológica

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O conceito de “mass incarceration”, reintroduzido nos debates penalógicos dos Estados Unidos no final dos anos 90, ganhou célebre releitura de David Garland em sua famosa conferência “Mass incarceration: social causes and consequences” na Universidade de Nova York (NYU) em 2000 (WACQUANT, 2015). Segundo Garland (2001, p.2), a denominação “mass imprisonment” viria a descrever um fenômeno completamente novo e sem paralelos no mundo penitenciário.

Tal distinção se apoiaria em duas especificidades: primeiro, a discrepância do agigantamento da população carcerária e das taxas de aprisionamento, quando em contraste a modelos penais historicamente comparáveis; e segundo, a concentração dos efeitos sociais do encarceramento em grupos populacionais específicos, determinada, sobretudo, pela falência das políticas de Welfare e pelo recrudescimento da legislação penal com relação às drogas, de orientação tough on crimes.

Em diálogo com as questões estudadas por Garland, Löic Wacquant (2015) propõe ajustes terminológicos e conceituais ao “mass incarceration” ou “mass imprisonment”, e passa a adotar o uso da expressão “hyperincarceration”. Este aperfeiçoamento da nomenclatura teria, assim, a intenção de desvelar sentidos camuflados pela opacidade da linguagem, pondo em evidência a distinção entre o encarceramento – desmedido mas direcionado – e os fenômenos de massa, como a mídia, que atingem pessoas, indistintamente.

Sua abordagem, portanto, não desconsidera as consequências do fim das políticas do Welfare State, nem a influência de demais fatores conjunturais, mas põe em evidência a seletividade de atuação do sistema de justiça criminal, o qual se moveria guiado, majoritariamente, por questões de classe social, raça e local de origem, em expressão de uma outra face do mesmo projeto de expansão de Estado neoliberal.

Desde a conferência de Garland na NYU, o Brasil viu sua população carcerária crescer inacreditáveis 312,22% , atingindo a maior taxa de aprisionamento de sua história: 352,6 para cada 100 mil habitantes (INFOPEN, 2017). À contramão dos debates e mobilizações pelo desencarceramento, seguimos, então, expandindo nossas prisões, tanto em suas dimensões efetivas quanto simbólicas, cerceando liberdades e usando arbitrariamente dispositivos de orientação, a princípio, garantista.

O discurso criminalizante irresponsável de setores midiáticos, associado à instrumentalização da justiça penal para fins políticos, tem, cada vez mais, robustecido a crença da população média em instituições prisionais falidas, cristalizando, assim, um desejo de dilatação indistinta do cárcere, concebido como símbolo de luta contra impunidade.

Nesse sentido, o reforço do ideal da prisão como justiça e de sua atual difusão igualitária, tende, à semelhança da crítica wacquantiana, a ocultar a essência seletiva do sistema penal, que permanece comprometido com a segregação – e por que não neutralização – de grupos sociais determinados.

Em síntese, a reflexão proposta visa a debater a questão carcerária brasileira, a partir da aplicabilidade dos aportes teóricos fornecidos por Garland e Wacquant, destacando em que medida o uso do sistema penal como panaceia para os problemas sociais se legitimaria pelo senso comum da prisão como sinônimo de justiça. Com efeito, para que se alcance a referida análise, o método da revisão bibliográfica se apresenta como ferramenta adequada.


Fonte: https://www.ibccrim.org.br/publicacoes/edicoes/7/8222

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